As surpreendentes informações de Wikileaks nos revelam algo insuspeitável: as democracias liberais não gostam de Hugo Chávez! Álvaro Uribe, o ex-presidente da Colômbia, o compara a Hitler, enquanto Jean-David Levitte, conselheiro diplomático de Nicolas Sarkozy, qualificou o presidente venezuelano de “louco”. O perito não é errado. Na verdade, é preciso ser completamente louco para fazer uma amizade com o Irã de Ahmadinejad ou com a ditadura dos irmãos Castro de Cuba. Mas não nos deixemos enganar, não é a loucura que exaspera o Ocidente. Ao nacionalizar o setor petrolífero venezuelano, e prometendo que todas as camadas da população lucrariam com isso, Chávez questiona a Nova Ordem Mundial; ele se opõe contra aqueles que desde a queda do muro de Berlim quer nos fazer crer que vivemos no melhor mundo possível.

Ao Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial que lhe atribuem um balanço desastroso nos principais indicadores econômicos (inflação, despesa pública…), Chávez responde: “Aqui, nós preferimos o social à economia desencarnada” (liberation, 2 de Julho de 1999). O balanço é realmente muito diferente: a taxa de pobreza, que aumentava anualmente, está diminuindo desde sua chegada ao poder – menos 73% de pobreza extrema -, a mortalidade infantil diminuiu em um terço e 1,7 milhões de habitantes saíram do analfabetismo.

►“Alô Presidente!”

Populismo: Alô Presidente é o programa de televisão em que cada domingo Chávez expõe o seu programa político a milhões de venezuelanos. O presidente promete-lhes um futuro melhor, acusa o imperialismo americano por todos os males e discorre por horas de sua vida pessoal, gastronomia ou futebol. Alô Presidente tem feito muito para dar crédito à ideia de que Chávez é o líder populista por excelência. Certamente, ele gosta de ouvir falar dele, mas reduzir as mudanças em andamento na Venezuela, a esse one-man show, é fazer pouco caso das milhares de pessoas dos bairros populares que investem hoje na vida política de seu país.

SOCIALISMO: O socialismo latino-americano conheceu duas experiências importantes no século XX: a de Fidel Castro e a de Salvador Allende, no Chile. Confrontado com estes modelos, o Governo de Chávez pretende propor uma nova via que se concentra mais no desenvolvimento participativo e local. Foi em torno desta visão que surgiu o conceito de “socialismo do século XXI”. Mas na ausência de um corpo de doutrina bem elaborado, continua sendo difícil defini-lo. O socialismo de Chávez, como ele mesmo admite, ainda está para ser inventado. Mikhail Bakunin escreveu em 1867: “A liberdade sem o socialismo conduziu a privilégios e a injustiça; o socialismo sem liberdade conduziu à escravidão e à brutalidade.”

 

Democracia: desde o fracasso de seu golpe de estado em 1992 – ele ficou dois anos na prisão – o ex-militar se curva às regras do sufrágio universal. Desde a sua primeira eleição, Hugo Chávez ganhou doze eleições das treze: três eleições presidenciais (1998, 2000, 2006), quatro Plebiscitos e cinco eleições (assembleia parlamentar, local ou de uma assembleia constituinte).

►Revolución…

Durante a segunda parte do século XX, a América Latina foi a terra de expectativas revolucionárias. Hugo Chávez nasceu em 1954, cinco anos antes da revolução cubana; ele tinha doze anos quando o Che conduz a “guérilla” na Bolívia e vinte e cinco anos, na chegada dos sandinistas no comando Nicarágua. Chávez reivindica a herança dos seus antecessores com uma diferença de tamanho: ele defende uma “revolução pacífica e democrática”. Na América, não é possível fazer uma revolução sem reforma agrária. Chávez sabe bem disso. Ela inclui o direito à alimentação na Constituição venezuelana e se posiciona à favor de uma melhor distribuição das terras. Desde a sua chegada ao poder, o Estado venezuelano tomou o controle de cerca de 3 milhões de hectares, ou seja, um décimo da terras cultiváveis do país. Não é uma questão de expulsar os proprietários e sim de redistribuir (com indenização) as terras sem uso. Segundo as autoridades, 80% das terras ainda pertencem a 5% dos proprietários. A “revolução Bolivariana” marca uma verdadeira ruptura na história da Venezuela. Antes de 1999, as rendas do petróleo beneficiava as classes dominantes. Há uma década, ela financia programas sociais tangíveis que melhoraram substancialmente a qualidade de vida dos mais modestos. Jean Ziegler, relator especial das Nações Unidas sobre o direito ao alimento, considera que a Venezuela é hoje (com o Brasil e a Bolívia) na vanguarda das medidas concretas para combater a fome.

►… na América:

Em 2002, quando Chávez foi deposto por um golpe de Estado, o governo de George W. Bush é um dos poucos a reconhecer o novo regime… muito cedo talvez. A tentativa de golpe falhou em 48 horas e Chávez volta ao poder, mais popular e mais antiamericano que nunca. Frente ao projeto de livre comércio das Américas (ALCA), iniciado pelos Estados Unidos – de inspiração neoliberal – Hugo Chávez lançou a Aliança Bolivariana para os povos de nossa América (ALBA), que coloca os países em pé de igualdade e que ultrapassa o âmbito estritamente comercial. Chávez é um dos reconhecidos porta-bandeiras do movimento internacional contra a globalização neoliberal. Assim, em 2006, 100.000 altermundialista se reúnem em Caracas, para participar do Fórum Social Mundial. No entanto, em sua luta contra o imperialismo americano, o do líder bolivarista se aproxima dos aos regimes autoritários, que é exatamente o oposto de suas alegações humanistas

“Chávez compra armas em Moscou, apoia o programa nuclear do Irã, festeja com Khadafi na Líbia…” (Lecomte, Rádio-Canadá, 11 Janeiro de 2010). Chávez gosta de brincar com o fogo, assim como seu melhor inimigo. Um relatório recente do National Endowment para a Democracia revela que a USAID (a cooperação americana) financiou a oposição venezuelana com USD$40 milhões em 2010.

►Guayana Esequiba

Em Julho de 2010, o presidente da Guiana e seu homólogo venezuelano assinaram vários acordos de cooperação entre os dois países. Esta reunião poderia parecer anódina se não soubéssemos que a Venezuela reivindica a soberania da Guayana Esequiba, um vasto território de 159.000 quilômetros, o que representa dois terços da Guiana! As colônias espanholas de Nova Granada pareciam na verdade estender-se desde o oceano Pacífico até o rio Essequibo que corre no interior das fronteiras da Guiana hoje. Na independência da Venezuela, os limites da nova república não eram claramente definidos. Mas como a corrida do ouro nos meados do século XIX, uma arbitragem se faz necessária. Em 1899, uma comissão internacional comissão se baseia nos mapas do explorador prussiano Schomburgk, para fixar a fronteira atual do rio Cuyuni, atribuindo a Guayana Esequiba à colônia britânica. Fim da história? Não. A decisão é questionada pela Venezuela no início dos anos 60, quando a Guyana obtém sua independência. A Organização das Nações Unidas intervém sem conseguir chegar a um acordo entre as duas partes. Desde então, essa região aparece em alguns mapas, como Zona de reclamação. Em que pé estamos no século XXI? No blog da Fox News (20/01/08), « Chavez wants Guyana » (Chavez quer Guyana) e faz manobras para recuperar os recursos minerais da Guayana Esequiba, entravando deliberadamente o desenvolvimento econômico do país. Do outro lado, o jornal da oposição El Universal (12/02/07) acusa Chávez de “O final unilateral das reclamações” e de ter assumido por sua conta, os propósitos do embaixador da Guyana; as reivindicações da Venezuela são de história antiga apenas devido a um pedido dos Estados Unidos às vésperas da independência da Guyana, a fim de desestabilizar um primeiro-ministro julgado marxista demais. O que será dessa história no século XXI? Difícil dizer, parece que Chávez não é o único dono da desinformação e d propaganda pelas mídias.

►Bolivar El Libertador

Originário de Caracas, Simon Bolívar (1783-1830) luta pela independência das colônias espanholas da América do Sul. Ele conseguiu a independência da Venezuela em 1821, mas fracassa no seu sonho de unificar a América em uma única nação.

Desde essa época, diversos foram os homens políticos sul-americanos de esquerda como de direita, que se apresentaram como seus sucessores. Hugo Chávez não foge à regra. A facção clandestina que nos anos 80 ele criou no exército, não foi nada menos que o Movimento Bolivariano revolucionário, e a República da Venezuela foi renomeada República bolivariana da Venezuela em 1999. Chávez usa e abusa das citações do Libertador principalmente em sua visão geopolítica da América latina. O presidente venezuelano acredita muito nos “Grandes homens”.

Em julho de 2010 ele pediu a exumação dos restos de seu mestre, a fim de confirmar a tese segundo a qual ele teria sido vítima de um envenenamento. Ele postou então no Twitter: « Que momentos extraordinários nós vivemos essa noite! Nós vimos os restos do grande Bolívar. (…) Eu confesso que chorei. (…) Eu disse a eles: Esse glorioso esqueleto deve ser o de Bolívar porque você pode sentir sua presença » (sic).