“Cada minuto que passa somente aumenta minha vontade de escapar, apesar de todos possíveis perigos. Nós somos jovens demais e cheios de determinação para permitir que nosso futuro seja irremediavelmente bloqueado. Ter esperanças aqui é pura fantasia”.

G. Tomel. Les evadés de la Guyane, 1899.

A FUGA

A Ilha Real recebe o primeiro comboio de condenados em 10 de maio de 1852. Sarda-Garriga, o comissário geral do governo, tem grande esperança neles:

Hoje, escreveu ele ao ministro, os transportados não são mais os mesmos homens que eu tinha visto em Brest. Sua saúde esta fortificada, e eles não querem nada mais do que trabalhar.” Eles darão o exemplo, pensa ele, “eles irão erguer no planalto da Ilha Real uma colônia onde leremos a inscrição: o arrependimento e a salvação.”.

Mas os condenados só pensam em fugir. Sarda-Garriga se desilude apenas seis meses mais tarde, com a evasão de quatro detentos. “Em uma chuva torrencial, os prisioneiros Ananos, Ximenes, Therren e Porrat conseguiram fugir. Nos não temos novidades ate este dia”, escreveu ele ao ministro. Alguns dias depois, uma nova tentativa aconteceu em Saint-Joseph, que desta vez terminou com a morte do prisioneiro. A violência carceral, a febre amarela, “o tedio mortal de um cativeiro sem fim” (P. Zacone), tudo leva a escapar, mas se evadir das ilhas aumenta a façanha.

A fuga e tão improvável que os detentos são deixados na Ilha do Diabo sem supervisão. Em 1855, o Governador Bonard explica ter retirado as embarcações e todos os outros meios de evasão. Para os exilados políticos, escreveu ele, “como era esperado, e no momento, sozinhos, sem guardas, na Ilha do Diabo, eles podem discutir livremente suas teorias.” Quando Charles Delescluze (1809-1871) desembarcou em 1858, a história não e a mesma. Depois de algumas evasões, “a administração se enfurece e faz cair sua cólera sobre as arvores” conta ele. A ilha e desmatada. Os presos se veem então fazendo canoas com as vigas de suas casas. A administração manda destruir suas casas. (De Paris à Caiena, diário de um prisioneiro, 1869).

Apesar da vigilância dos carcereiros, que tem ordem de atirar, nada impede os candidatos a fuga. Gerrit Verschuur relata a evasão de seis condenados que conseguiram partir com o barco pesqueiro das ilhas em 1884. Um outro, escreveu ele, teria se atirado no mar dentro de um barril abandonado na praia. “Esse Diógenes do fim do século XIX não foi muito feliz. Levado pela corrente (…), ele pode colocar os pês em Sinnamary, onde foi recebido por um representante das autoridades, que lhe reenviou a ilha” (Viagem as três Guianas, 1894). Em fevereiro de 1902, dois condenados fugiram de Saint-Joseph confeccionando uma pequena embarcação com fragmentos de velhos caixotes, folhas de coqueiros e redes. Em junho do mesmo ano, seis indivíduos deixaram a Ilha do Diabo sobre uma balsa feita de coqueiros e cipós.

Os fugitivos têm seus campeões. Um preso chamado Lupi fugiu quatro vezes das ilhas apesar de suas correntes duplas. O anarquista Clement Duval (que chegou em 1887) contabiliza 18 tentativas em 14 anos de reclusão nas ilhas. O jovem Emile Vally, condenado a vinte anos de trabalhos forcados, conseguiu fugir mas não aproveita por muito tempo – policia o prende em Paris em julho de 1889 quando saia da casa de sua amante.

DREYFUS: ELE PODE FUGIR?

Nas colunas do Matin, em 20 de junho de 1895, o crônico não tem duvidas: “Todos que conhecem o lugar concordam: a fuga de Dreyfus e certa. E somente questão de tempo, a menos que grandes medidas sejam tomadas”. “- Que nada”, relata um funcionário da colônia entrevistado pelo Le Figaro em 20 de junho de 1896, em seu retorno da Guiana. “A vigilância das ilhas e constante e os tubarões são abundantes”.

No entanto, em 3 de setembro de 1896, a renomada agencia Havas anuncia a noticia que Dreyfus foge das Ilhas da salvação a bordo de um navio americana. A partir de Newport, o capitão Hunter, do barco a vapor Non-Pareil, relatou toda a historia. Ele se encontrava na Ilha de Connetable carregando fosfato quando soube da fuga. A Sra. Dreyfus tinha organizado tudo. A embarcação americana tinha também sequestrado os guardas que eram, na verdade, seus cumplices. (Le Figaro, 4 de setembro de 1896). A estória é rapidamente desmentida. Em 4 de setembro, um jornalista do Matin vai encontrar um membro da família do deportado: “Vocês podem corajosamente desmentir essa noticia sensacionalista” responde ele, “a Sra. Dreyfus e, como todos nos, energicamente contra qualquer tentativa de fuga de nosso parente. Estamos todos convencidos de sua inocência e esperamos pacientemente que a justiça seja feita e que sua liberação se efetue pelos meios legais.”.

Certamente, escreve Jean Frollo no Le Petit Parisien de 6 de setembro de 1896, “ficamos atraídos pela narrativa das evasões celebres, da engenhosidade, da coragem, da presença de espirito que foi preciso provar para se salvar. Isso que foi realizado parece impossível se pensarmos antes no perigo, e (…) diríamos que a sede de liberdade dá asas”. Mas Dreyfus e muito bem vigiado. Frollo continua: “Resta a hipótese de uma verdadeira expedição de bucaneros organizada para retira-lo do local: piratas saltando na ilha, matando ou corrompendo os guardas; a retirada do prisioneiro…Tudo isso e um romance, um drama, como se representa na Porte Saint-Martin. Não é serio. A vida real não se parece com uma peca de teatro de rua.”

Porem, a campanha anti-dreyfus joga óleo no fogo. Esse rumor de evasão certamente foi lançado pela família e amigos, supõe o Jornal du Dimanche “para provocar um movimento de opinião a seu favor, que resultaria no seu perdão. Felizmente a imprensa soube contrariar esta manobra, e reclama a necessidade de mais rigor contra o culpado. (…) O crime de Dreyfus (…) realmente não inspira nenhuma piedade.” (J. du Dimanche, 11 de outubro de 1896).

Na noite de 6 de junho de 1897, o alarme e acionado. Uma embarcação avança entre a Ilha do Diabo e Saint-Joseph. Uma salva de três tiros de fúsil e dada no ar. A embarcação mudou de direção e ruma para o Nordeste. O canhão-revolver da Ilha do Diabo estava pronto e os homens em seus postos de combate. O oficial encarregado acredita mesmo ter visto binóculos apontados para ele. Em 29 de dezembro, um veleiro “de ares suspeitos” leva um dia para passar em frente às ilhas. O comandante da penitenciaria inquieto solicita o envio de um barco a vapor, o veleiro desaparece.

As investigações mostraram que esses veleiros estavam simplesmente fora de curso, o rumor persiste. O ministro das colônias intervém e decreta: nenhuma embarcação pode se comunicar com as ilhas sem ter uma autorização escrita, também e expressamente proibido desembarcar ou passar a menos de três quilômetros da Ilha do Diabo. Essas medidas chegam tarde demais “Foram anunciadas varias fugas de condenados detidos nas Ilhas da Salvação. A evasão foi efetuada em 8 de janeiro por meio de uma embarcação da administração penitenciaria que supõe-se ter atracado nas Guiana Holandesa. Deve-se concluir que as Ilhas du Salut não são um local seguro para o condenado Dreyfus?”, e questionado no La Croix de 5 de fevereiro de 1898. Neste mesmo ano, um veleiro que se aproxima demais e recebido a tiros de canhão.

Na época, le Petit Parisien avaliou em 100 000 francos por ano os gastos ocasionados por esta vigilância excepcional.

COMO UMA BORBOLETA

“A Ilha do Diabo. Sua reputação se tornou mundial desde o caso Dreyfus a tal ponto que nos Estados Unidos, que a colônia penal da Guiana e conhecida pelo nome de Devil’s Island Penal Colony.” Rene Belbenoit, 1938.

Com Alfred Dreyfus, a Ilha do Diabo se tornou tristemente celebre. Rene Belbenoit (1899-1959) tira proveito disso trinta anos mais tarde. Dry Guillotine (Guilhotina Seca), o livro que ele escreveu nos Estados Unidos em 1938, torna-se imediatamente em um best-seller, ultrapassando um milhão de exemplares vendidos. Belbenoit conta seus doze anos de prisão e suas cinco tentativas de evasão. Sua historia e contada em inúmeras revistas e Belbenoit converte-se em 1943, em conselheiro do filme Passage to Marseille (Passagem para Marselha) com Humphrey Bogart. Para os americanos, o francês e conhecido como “o fugitivo da Ilha do Diabo”. Belbenoit, no entanto, jamais escondeu que ele não estava encarcerado. Segundo ele, nem vale a penha sonhar com a fuga das ilhas: “E uma aventura tão arriscada e que oferece tão poucas chances de sucesso que somente arriscam-se os loucos ou os que estão no limite. Além disso, as tentativas são muito raras, nem mesmo duas por ano… quanto aos êxitos…” A historia de Belbenoit deve inspirar, décadas mais tarde, o mais conhecido dos fugitivos das Ilhas da Salvação, Henri Charriere (1906-1973), chamado de Papillon.

Charriere, um pequeno vigarista e cafetão, e enviado para a colônia penal em 1931 por assassinato. Ele fica nas Ilhas da Salvação de 1937 a 1944, sem nunca ter fugido. Em 1944 ele conseguiu a liberdade fugindo pelo litoral. Na Venezuela, onde foi refazer sua vida, teve a ideia de escrever sua autobiografia. Na opinião de seu editor Robert Laffont, falando ao Libertation em 1999: “Seu talento de escritor foi o de resumir as façanhas vividas por outros detentos de Caiena”. O livro que saiu em 1969 tem um sucesso imediato, dois milhões de exemplares vendidos na Franca, onze milhões no mundo, e um filme, Papillon (1973) com Steve McQueen e Dustin Hoffman. A cena da evasão e conhecida: Steve McQueen espera a melhor onda antes de saltar do alto de uma falésia… algo que não existe na Ilha do Diabo.

Existem homens, escreve Belbenoit, “os quais a audácia e mais fantástica do que qualquer coisa que o cérebro humano pode imaginar”. Para ilustrar essa afirmação, ele conta a historia da fuga de Launey, conhecido como “La Pomme”. Este ultimo chega na Ilha de Saint-Joseph em 1923. Depois de ter fumado quinina para fingir estar doente, escapou de hospital da Ilha Real sobre as tabuas de reposição para as camas. Belbenoit não esconde sua admiração por Dieudonne. Eugene Dieudonne (1884-1944) teve como único erro, além de ser anarquista, cruzar o caminho da famosa organização ilegalista Bando Bonnot. Sem provas, ele foi enviado à colônia penal em 1913. Albert Londres o conhece em 1924. Na época, ele estava preso na unidade de Sain-Joseph. Ele estava pagando pela sua segunda fuga e reconhece que teve sorte – o tribunal marítimo sentenciou-o a somente dois anos de confinamento solitário em vez de cinco. O comandante faz as apresentações: “Ele fugiu da Real”, explica o comandante. “E uma das maiores façanhas aqui da colônia penal. Noventa e cinco por cento de chances de ser comido por tubarões. Como você foi capturado no continente?” “Exausto, comandante”, responde ele. (A. Londres, L’homme qui s’evada, 1928).

Em 3 de outubro de 1921, Dieudonne conseguiu escapar com a ajuda de uma jangada fabricada com toras de madeira e barris vazios. Ele foi recapturado quarenta e oito hora depois, no mar, quando estava quase alcançando a costa. na sua segunda escapada, ele parte sobre dois troncos de bananeiras e boia por três dias antes de chegar a terra. Em seguida, ele se perde na floresta ate chegar ao campo penitenciário de Charvein. A terceira tentativa, em 1926, foi a de sorte. dez anos mais tarde Albert Londres o entrevista no Rio de Janeiro. “Faltavam somente dois anos e nove meses”, Londres disse a ele. “Eu não podia mais” responde Diendonne.

Albert Londres escrevera: “De passagem, eu sugiro que rebatizem essas ilhas. Lá não é a salvação, mas sim a punição”. (Le Petit Parisien, 10 de agosto de 1923)