23 DE JANEIRO DE 2010, 9h00 A.M., MONTANHA DE KAW

Dois voluntários da associação GEPOG (Grupo de Estudo e de Proteção das Aves da Guiana Francesa) escorregam em uma ravina e descem rumo a imensos pântanos da planície Angélique. As chuvas torrenciais são abundantes nesse início de estação das chuvas. Estamos na região mais “irrigada” da Guiana Francesa. Os córregos se transformaram em cascatas que em seus cursos entalham a espessa crosta laterítica. É nessas fendas que os ornitólogos vão procurar o ninho de uma ave que assim como o Guará, é emblemática da Guiana Francesa: O Galo-da-serra.

A SINGULARIDADE DO GALO-DA-SERRA…

Esse pássaro frutívoro de pequeno porte (30 cm) deve sua fama principalmente pela beleza esplendorosa dos indivíduos machos. E isso se deve a sua plumagem de cor laranja vivo, coroado por uma crista circular proeminente contornada de preto, cria um contraste chamativo para o amante da natureza que consegue notá-lo no fundo marrom-verde escuro dos subosques da floresta primária.

Além disso, não contente por ter tal bela aparência, essa ave também garante o espetáculo durante a sua reprodução que acontece de dezembro a maio. Na verdade, ele faz parte dos pássaros neotropicais que reproduzem em lek. O lek é o nome científico designando a arena de cortejo na qual diversos machos vão utilizar os jogos de luz de subosque para ressaltarem sua plumagem. Como o estado da plumagem de uma ave é correlacionado ao seu estado de saúde, isso permitirá às fêmeas escolham os melhores reprodutores para acasalamento os jovens mais adaptados ao seu ambiente.

A SITUAÇÃO DO GALO-DA-SERRA EM KAW…

Mas a exuberância do Galo-da-serra lhe custa a falta de tranquilidade.  Na verdade o único lek da montanha de Kaw -maciço com 40 km de extensão- é de pequeno porte (5 machos juntos no máximo). E o boca a boca funcionou nesses seis últimos anos de forma que o sítio é cada vez mais conhecido e visitado. Sua atratividade é hoje tamanha que mais de 100 pessoas por fim-de-semana, podem vir observar os machos em ritual nupcial.

Cúmulo do azar para nosso pássaro, a caverna na qual se situa sua principal colônia reprodutora – com até 6 ninhos- é cada vez mais visitada pelos turistas…

…E NO CONJUNTO DA GUIANA FRANCESA

O nome dessa espécie é rico em ensinamentos: “galo” por causa da crista, “laranja” no caso da plumagem dos machos, e “da serra” porque os ninhos são sempre e exclusivamente situados nas grutas ou em abrigos sob a rocha.

Como o macho sempre fica em seu lugar de exclusivo de cortejo, a fêmea se encarrega da nidificação. Ela começa fabricando ou recarregando um ninho na semiobscuridade de uma entrada de gruta para ficar ao abrigo das intempéries. Em Kaw, os ninhos feitos entre 2 e 8 m de altura, o que os deixa protegidos dos predadores como as cobras ou felinos. A fêmea trança pequenas raízes escurecidas com a lama misturada com a saliva e seivas vegetais, que permitirão a fixação do ninho sobre a parede rochosa.

Consequentemente, os Galos-da-serra na Guiana Francesa só vivem nas montanhas, único habitat que comporta simultaneamente uma floresta primária intacta e grandes paredes rochosas com cobertura.  Dessa forma, as áreas extensas não são habitáveis para esse pássaro e sua distribuição no mapa se faz por manchas. Como em cada tache as populações são fracas, essa espécie é considerada como pouco comum e frágil no âmbito da região. Essa constatação levou à classificação da espécie na lista das aves integralmente protegidas (venda, destruição transporte, etc. são totalmente proibidos).

No momento atual na esfera do departamento, a principal atividade humana que transgride o território do Galo e representa uma ameaça, é a exploração aurífera, em particular primária, pois as principais jazidas de ouro se situam em zona montanhosa.

As primeiras medidas de proteção

Com os principais perigos estando identificados na montanha de Kaw, diferentes parceiros se uniram para intervir em favor da conservação da espécie no sítio. Esse grupo é constituído por uma associação, o GEPOG, que trouxe sua rede de voluntários motivados pela proteção da natureza e sua experiência cientifica nessa área, assim como parceiros institucionais: A Agência Nacional das Florestas (ONF) gestor do sítio, que se encarregou da organização, o Parque Natural Regional da Guiana Francesa, que conduziu o trabalho relacionado com os turistas, e a Direção Regional do Meio Ambiente (DIREN).

A primeira ação de proteção consistiu em sensibilizar as pessoas que visitam o lek sobre as precauções de bom senso para que possam desfrutar do espetáculo sem incomodar os animais (manter a distância, ser paciente, não utilizar flash, se deslocar em grupos pequenos, não levar cachorro, etc.). Um boletim também foi emitido para a instalação de um esconderijo que permita um melhor acobertamento.

Além disso, uma barreira foi instalada em frente à gruta para dissuadir as pessoas de tentarem descer. Na verdade, de novembro a junho, quando as fêmeas estão no local, a perturbação ocasionada pelos passantes pode levar as fêmeas a abandonarem a ninhada.

Enfim, em paralelo, o GEPOG lançou um estudo sobre todo o maciço no intuito de recolher os primeiros dados científicos que permitam conhecer o estado da população de Galo-da-Serra da montanha de Kaw.

O ESTUDO

O estudo começa em 2007 para terminar em agosto de 2010. O primeiro objetivo consiste em encontrar a maior quantidade possível de sítios e obter suas coordenadas GPS a fim de poder acessá-los facilmente. A base de dados do GEPOG utilizada para esse fim é completada com prospecções de campo e coleta de depoimentos. Longos dias de trabalho em campo são organizados em condições de progressão às vezes difíceis. O cuidado deve ser dobrado durante o trabalho, pois a vegetação espessa pode mascarar uma enorme erosão de terreno. Entretanto, os esforços são recompensados pela atualização da localização de 14 sítios de nidificação na montanha. E que surpresa foi descobrir, nessa ocasião, que as fêmeas nidificam até 20 km do sítio do lek!

Um acompanhamento da nidificação é em seguida efetuado por três anos, por meio de um contagem regular dos ovos e dos jovens. São momentos delicados, pois é preciso obter os dados sem colocar em risco a ninhada dessas aves protegidas por lei. As pessoas encarregadas dessas missões receberam um curso e uma autorização especial emitida pelo Museu Nacional de História Natural sob a autoridade do Ministério da Ecologia.

OS RESULTADOS

Mesmo que o estudo ainda não esteja fechado, alguns primeiros resultados podem ser destacados.

Os Galos-da-Serra de Kaw têm os mesmos parâmetros reprodutores que seus vizinhos do Suriname ou do Brasil: eles botam em média um pouco menos de 2 ovos por ano, a incubação dura 29 dias e o crescimento dos jovens 33 dias, e as fêmeas ocupam corretamente os ninhos. Essa população do maciço se caracteriza principalmente por sua alimentação: ela se alimenta de frutos encontrados na floresta e mais particularmente dos frutos dos açaizeiros. E por coincidência: centenas de hectares ao pé da montanha e volta do pântano são ocupadas por essa palmeira, que produz um fruto de boa qualidade nutritiva.

Por outro lado, outros parâmetros se mostram muito flutuantes. Por exemplo, sítios são desocupados de um ano para o outro sem que seja possível determinar as razões dessas mudanças. A temporada de nidificação pode ser longa (de novembro a junho, ou seja, 7 meses, mais da metade do ano!) ou curto (de fevereiro a junho). A quantidade de ninhos ocupada no conjunto do maciço pode ser variável.

FUTURO …

Em dois meses, os dados coletados nesses três últimos anos terão sido tratados. Será então possível colocar em evidência o impacto humano nos sítios de nidificação. Uma base sólida será então disponível para o acompanhamento do estado dessa população no futuro.

Paralelamente, o GEPOG, graças ao apoio da Europa, através de seu programa LIFE+, vai se lançar em um estudo ainda mais ambicioso que visará aprofunda os conhecimentos sobre o maciço de Kaw e também no conjunto da Guiana Francesa. O objetivo é monitorar a dinâmica e recensear os pássaros, cartografar seu habitat preferencial seguindo os pássaros por baliza de rádio e estimar as trocas de populações entre os maciços de montanha. A questão ainda é fornecer as informações mais precisas e mais sólidas possíveis que permitirão às instituições responsáveis garantirem a conservação da espécie a fim de que os jovens de amanhã possam admirar como nós, esse fantástico e emblemático pássaro.