” Montanha coroada é o nome dado pelos Saramacas à essas coisas para as quais é difícil dar uma explicação “.

É com essa frase escrita em 1952 que Emile Abonnenc comenta pela primeira vez, a presença enigmática de três desses sítios na Guiana Francesa. Esse termo bastante simbólico transcreve uma forma de incompreensão de uma parte da população local, pela presença na floresta, de profundos fossos acinturando o cume de algumas colinas.

Primeiro, a coleta dos primeiros vestígios (louça de barro, ferramentas de pedra), e mais tarde, a obtenção das primeiras datações por rádiocarbono, prova que grupos ameríndios são os autores dessas realizações. Em 1987, o arqueólogo H. Petitjean-Roget traça um mapa de repartição onde figuram dezesseis montanhas coroadas. Desde então, o inventário se enriqueceu a cada dia com as descobertas durante as buscas na floresta. O serviço regional de Arqueologia da Guiana Francesa conta atualmente, cerca de quarenta sítios mais ou menos conhecidos. Esse número é certamente muito abaixo da realidade se considerarmos que porções inteiras de território permanecem virgens de qualquer pesquisa. Alguns sítios também são conhecidos no Brasil e no Suriname, o que tende a demonstrar a dispersão geográfica do fenômeno.

Diversos tipos de “montanhas coroadas” devem ser distinguidos: 1) o fosso periférico, acinturando inteiramente o topo de uma colina; 2) o fosso periférico, estabelecido somente em uma parte de um platô cimeiro; e 3) um ou às vezes dois fossos retilíneos bloqueando o acesso a uma parte de um platô apresentando uma configuração denominada “espigão cruzado”. O relevo é utilizado sistematicamente: os espigões, os topos de colinas sobressaindo sobre os meandros ou os confluentes de rios são privilegiados, mas alterações desse tipo existem também nas zonas montanhosas confinadas longe das enseadas navegáveis. O tamanho dos sítios varia entre 0.5 e 3.5 hectares, alguns fossos podem atingir até 3 metros de profundidade. Eles são às vezes interrompidos pelas barragens de terra interpretadas como entradas que permitem acesso ao interior das áreas.

No início, a falta escavações de envergadura nesses sítios parece ter orientado a pesquisa rumo a uma tradição oral ou a etnohistória para tentar explicar essas manifestações. Segundo Pierre Grenand, os Wayampi do Oiapoque parecem ter sempre associado esses fossos a sítios defensivos que eles chamam de “Kalana Tapélé” ou colinas das Karane. Também foram encontrados, a partir do século XVII, diversos testemunhos escritos evocando aldeias fortificadas ameríndias que parecem faze parte de uma realidade histórica.

Os primeiros trabalhos arqueológicos só foram iniciados no começo dos anos 80. As datações por radiocarbono mostram um fenômeno antigo que se inicia por volta do primeiro século de nossa era. Nem todos os sítios parecem ser contemporâneos, as datas de fundação dos diferentes fossos se sucedem ao longo do primeiro milênio. Tratam-se, nos casos estudados, de ocupações humanas longas e perenes. Na esfera regional, a diversidade dos vestígios materiais (objetos de cerâmica) prova que diferentes etnias ou culturas realizaram esses fossos com o passar das eras. Inversamente, a proximidade geográfica de alguns sítios agrupados em alguns quilômetros quadrados parece evocar redes organizadas. As pesquisas recentes realizadas em grandes superfícies através da arqueologia preventiva mostram trata-se de aldeias e também de necrópoles. Nesse caso preciso o fosso possui um papel simbólico e não mais defensivo. Além disso, a existência de uma barreira com alguns fossos continua sendo muito t provável, mas não é confirmada, do ponto de vista arqueológico.

Mesmo se ele provém de uma longa tradição, o fenômeno das montanhas coroadas não é homogêneo e deve se explicar em seu contexto local caso a caso. A soma de trabalho necessário para a realização desses fossos reforça o caráter excepcional desses sítios que requerem, ou a mobilização de um grupo de pessoas muito importe em um lapso de tempo reduzido ou o trabalho coletivo de indivíduos em um período mais longo. Um tamanho dispêndio de energia demonstra provavelmente a vontade de se implantar duravelmente em uma região. Essa prática pode ser percebida com uma forma de apropriação do solo por sociedades ameríndias numerosas e fortemente estruturadas.  Parece que a noção de ganhar território e preservá-lo era uma realidade no passado.