In situ

Nós fomos ao encontro de Mariana Petry Cabral e João Darcy de Moura Saldanha no local. Os dois arqueólogos do Instituto de Pesquisas científicas e tecnológicas do Amapá (IEPA) estavam em plena campanha de escavações. Ao abrido de uma grande tenda, eles exploravam m um fosso de onde afloravam peças cerâmicas. A sua volta, cinco jovens estudantes aprendiam a escavar, anotar, desenhar e interpretar.

Um alinhamento circular de cerca de cem menires de granito plantados e deitados no cume de uma verde colina. Essa seria uma descrição rápida do sítio de Calçoene. Na Europa, esses recintos de pedra são chamados de cromlechs. Se o mais conhecido é o de Stonehenge, na Inglaterra, esse tipo de conjunto megalítico se encontra sob todas as latitudes – Gobekli Tepe na Turquia, Ikom na Nigéria, Almendres em Portugal… Nenhuma ligação, entretanto, foi estabelecida entre esses sítios além da capacidade de despertar a curiosidade humana. Não fugindo à regra, nós chegamos nesse sítio com muitas perguntas. Mariana e João tinham algumas respostas. Apesar do cansaço, foi com paixão e sempre de com muito bom humor que eles nos contaram a história do círculo de pedra de Calçoene.

Entrevista Ccom Mariana Petry Cabral E João Darcy de Moura Saldanha

O sítio arqueológico se encontra no estado brasileiro do Amapá, a cerca de dez quilômetros de Calçoene, às margens da estrada que liga essa antiga cidade mineradora à cidade de Counani. Se o local sempre foi conhecido pelos habitantes da região e por alguns viajantes curiosos, sua redescoberta científica e mediática recente se deve a dois pesquisadores IEPA. Um botânico e um meteorologista que procuravam jazidas de granito alertaram o Governo do Amapá.

Esse entendeu imediatamente o potencial, principalmente turístico que poderia representar esse sítio e tomou as medidas de proteção necessárias. O terreno foi comprado pelo Ministério da Cultura Brasileiro e o sítio foi inaugurado oficialmente em 2006.

Mariana e João confessam ter muita sorte. Esses dois diplomados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) assumiram seus cargos em Macapá nessa época. Investigar um sítio como esse é um sonho para qualquer arqueólogo.

A zona de busca foi antes de tudo cuidadosamente delimitada e cartografada. Foi possível principalmente concluir que a colina sobre a qual se erigem as pedras, é uma formação geológica natural. O sitio foi em seguida prospectado em seu conjunto, na procura de marcas de presença humana aparente no solo (pedras, ferramentas, cerâmicas…). A fase seguinte consistiu em diversas sondagens: escavações bem circunscritas em diversos locais escolhidos com rigor, a fim de focar a superfície mais interessante para o estudo.

A primeira verdadeira escavação arqueológica foi iniciada em agosto de 2006. A partir daí, os arqueólogos voltam e trabalham regularmente no local, de quinze a vinte dias por mês. Eles estimam ter escavado cerca de 15% da superfície total do sítio.

Dominos de granito

Se o sítio arqueológico de Calçoene não tem a monumentalidade de um Stonehenge, ele não deixa de ser tão imponente quanto. O círculo de pedras mede cerca de 30 metros de diâmetro e é constituído por cerca de cem blocos de granito dos quais o mais alto atinge mais de três metros. É difícil ficar indiferente ao visitar o sítio. Passada a primeira “emoção”, o círculo de pedra dá a impressão de ter sido arruinado, desgastado pela ação do tempo e elementos. Inúmeras pedras estão no chão, alguns blocos de granito parecem agrupados como dominós prontos para desmoronar.

As buscas dos arqueólogos parecem, entretanto invalidar essa hipótese. A maioria das pedras, eles nos explicam, foram talhadas e depois instaladas de forma cuidadosa, na mesma posição em que se encontram hoje. Alguns blocos, deitados no solo nunca estiveram de pé. Ao contrário, a camada de laterita foi cuidadosamente escavada para que eles se incrustem perfeitamente no solo. As escavações realizadas em 2006 na base das pedras também revelaram pequenos blocos de granito e de laterita que serviam para calçar os monólitos dessa forma inclinada muito particular. Comparando com as primeiras fotografias feitas no local em 1920, e depois em 1950, os arqueólogos perceberam que os blocos não se movimentaram. Segundo eles, em uma parte do sítio, a ordenação inicial parece ter sido conservada, a inclinação de algumas pedras foi proposital.

HIPÓTESES

No interior desse círculo de pedras, a equipe de arqueólogos pode limpar dois fossos funerários, de dois e três metros de profundidade. Todos os dois continham uma grande quantidade de cerâmicas das quais muitas estavam inteiras. Alguns desses recipientes ainda continham uma pequena concentração de ossos queimados. Cada fosso foi cuidadosamente fechado por uma grande pedra de granito.

Paralelamente a essa hipótese de um sítio funerário, outra pista foi lançada por um de seus colegas da IEPA. Esse último observou durante à tarde do solstício de 2005 que as faces norte e sul de um dos blocos de granito eram iluminadas ao mesmo tempo, sem fazer sombra. Outras averiguações foram realizadas nesse sentido pelos arqueólogos, mesmo se esses últimos permanecem prudentes em suas declarações – eles não puderam integrar essa hipótese em sua problemática de busca.

Se a maior parte dos sítios megalíticos desse tipo dá margem a diversas interpretações, a do observatório astronômico parece ser a mais recorrente. Entretanto, nada nunca foi provado para apoiar essa hipótese, nem descarta-la totalmente. Os círculos de pedra guardam sua parte de mistério e seu convite ao sonho.

QUEM? QUANDO? COMO?

“Quem, quando e como?”, Essas são as três perguntas as quais os arqueólogos tentaram nos responder.  Eles ressaltam que poucas coisas foram escritas sobre esse tipo de conjunto e apenas a arqueologia da Guiana Francesa começa a fornecer elementos de comparação (ver artigo referente ao sitio de Pointe Morne).

A arqueologia do Amapá está engatinhando e os pesquisadores confessam não saberem grande coisa sobre a ocupação do território. A teoria de povoamento mais clássica, eles nos explicam, é sobre um povo ameríndio originário da zona caribenha que teria se instalado na (fase Arnã) antes de serem expulsos em uma segunda onda migratória (fase Aristé). Sem questionar essa cronologia, os dois pesquisadores pensam que seria possível colocar uma segunda hipótese, a de um grupo que teria se estruturado localmente – do qual a zona de influência ainda deve ser determinada. Os conjuntos megalíticos parecem na verdade particulares nessa região. O que podemos adiantar sublinham os arqueólogos, é que seria preciso uma população importante e relativamente bem organizada, para elaborar, mover e colocar esses monumentos em seus locais.

A cronologia do sitio, ou seja, o período no qual o monumento foi construído e depois utilizado, ainda é uma incógnita. A escavação de um dos fossos funerários revela que ele teria sido reutilizado, o que complica ainda mais a tarefa dos arqueólogos. Isso significa que houve pelo menos dois períodos de utilização do local, o dos arquitetos do monumento e o momento ulterior por outro grupo humano. A única datação em carbono

14 que pode ser realizada até agora, em carbono associado à cerâmica, fornece uma faixa cronológica compreendida entre os anos 950 e 1000 de nossa era.

Um futuro para o passado

O Governo do Estado do Amapá deseja agora abrir o setor protegido ao turismo. A ideia seria criar um pequeno laboratório de pesquisa no local – que poderia principalmente formar estudantes – associado a um percurso arqueológico. O potencial de Gestão de atividades turísticas da área ainda está longe de ser conhecido. Se o círculo de pedra é na verdade mais vasto e melhor conservado, ele não é único. As prospecções arqueológicas conduzidas na região revelou o quanto o norte do Amapá é rico em sítios megalíticos.  Mariana e João já se preparam para a próxima etapa que consiste em localizar e escavar um habitat ligado a um desses sítios megalíticos. Enquanto eles nos explicam isso com brilho nos olhos, nós sabemos que essa viagem no passado ameríndio do Amapá não será a última.