Algumas espécies animais suscitam o interesse do grande público, muito além do círculo de naturalistas fervorosos. Esses animais carismáticos são numerosos: nós podemos sem engano citar os mamíferos marinhos, os ursos, lobos, grandes felinos, tartarugas marinhas, a grande fauna africana e muitos outros. Comoventes, assustadoras, impressionantes, essas espécies despertam nossos medos, nossas fantasias, mas também a extraordinária diversidade que a natureza soube desenvolver, marcando há séculos nosso inconsciente coletivo. Provavelmente menos conhecida do grande público que a fauna africana, a fauna amazônica garante, no entanto a sua cota de espécies com nomes sugestivos, como o jaguar (onça-pintada), as araras, o macaco aranha, o tapir, a anaconda, o jacaré-açu ou ainda… a ariranha.

Il é preciso salientar que as condições de observação na floresta amazônica não são as mesmas das savanas africanas! Um subosque denso e pouco luminoso, fraca densidade natural dos animais e uma discreção desconcertante reduzem as chances de observação, frequentemente furtivas. Contrariamente à maior parte das grandes espécies que possuem um comportamento críptico*, a ariranha (Pteronura brasiliensis) é um animal curioso, barulhento, sociável, brincalhão, diurno e evolui normalmente em meios abertos. Ela é um dos grandes mamíferos amazônicos mais frequentemente observados e que, do Pantanal até a Amazônia Peruana, contribui para o sucesso dos operadores turísticos.

O animal coleciona os superlativos: trata-se na verdade da maior e mais antiga das 13 espécies de lontras presentes no globo. Ela surgiu há mais de 6 milhões de anos, a ariranha é hoje o maior representante da família dos Mustelídeos com seu um metro e oitenta e 30 kg. A ariranha também figura no top 4 os maiores predadores da América do Sul após o jacaré-açu, a onça pintada e o puma. Um prato cheio para os curiosos e amantes da natureza.

Há cerca de quinze anos, algumas iniciativas valorizam a presença das ariranhas em projetos eco turísticos. É o que acontece no Brasil e no Peru onde a espécie é um “produto de apelo” carro chefe para alguns prestadores de serviços turísticos que se associam às comunidades locais e aos gestores de espaços protegidos. Mesmo que ela esteja presente e regularmente observada na maior parte dos cursos de água guianeses, nenhum local foi dedicado à observação e acompanhamento das lontras gigantes na Guiana Francesa.

A RAINHA DOS RIOS

Além do seu tamanho, a ariranha se distingue das lontras sul-americanas pelas manchas de cor creme espalhadas em sua garganta e pescoço. Seu aspecto físico indica que ela e perfeitamente adaptada aos meios aquáticos. Um longo corpo ondulado, patas curtas com dedos espalmados e uma longa cauda achatada, são trunfos indispensáveis para a vida na água. E inúmeras vibrissas* (pelos táteis) sensoriais dispostas em volta dos olhos e dos bigodes equipam a vida submersa. Resumindo, uma lontra fica tão a vontade quanto um peixe dentro d’água. Para a maior infelicidade desses últimos, a ariranha tem muito talento para a caça subaquática e pode consumir mais de 3 kg de peixe por dia! Em seu cardápio, ela prefere os peixes da família dos Erythrinideos (traíras) e Serrasamildeos (Piranhas…).

As ariranhas preferem particularmente os cursos de água pouco profundos de baixo fluxo. É lá que elas encontram presas em abundância, mais fáceis de serem capturadas do que no meio de um grande rio. No platô das Guianas, as pequenas lagoas florestais constituem um habitat privilegiado para a espécie. Mas outros tipos de meios também respondem às exigências como as savanas inundadas do Pantanal brasileiro ou da região de Kaw na Guiana Francesa. Alguns lagos pouco profundos também são frequentados pelas ariranhas.

O ESPÍRITO DE FAMÍLIA

É nesses habitats úmidos que o animal estabelece seu território, que se estende por mais de 100 km2, em partes de rio com cerca de vinte quilômetros de comprimento. A fim de evitar confrontações com outros grupos de congêneres, as ariranhas marcam ativamente seu território. Urinas, fezes, raspas e clareiras fazem parte dos sinais olfativos e visuais que as permitirão de materializar sua presença. Além disso, as ariranhas estabelecem “acampamentos” em locais estratégicos de onde elas podem vigiar o rio, descansar e fazer suas necessidades. Essas zonas cuidadosamente descortinadas são abundantemente marcadas e visitadas regularmente. É no coração do domínio vital que se encontram os esconderijos (buracos) chamados de catiches, em que as fêmeas dão a luz durante a estação seca. Os filhotes permanecerão lá até completarem 6 semanas antes de se aventurarem com seus pais no exterior.

Para a ariranha a família é importante. Ela vive em grupos familiares organizados ao redor do casal fundador. Ao lado dos pais, estão os filhotes da cria anual e também os irmãos dos 2 anos precedentes. Os grupos são geralmente compostos de 3 a 8 indivíduos. Mas se todo mundo se encontra em bom estado de saúde e que nenhum tipo de situação ameaça a calma existência do grupo, uma família pode comportar 10 ou até 12 ariranhas.  Para se comunicar e guardar um contato permanente entre elas, as ariranhas desenvolveram um repertório vocal bastante complexo. As pessoas que já cruzaram o caminho de um grupo de ariranhas deve se lembrar do caráter barulhento desse animal. Essa vida em família comporta muitas vantagens, tanto no aumento da eficácia na busca por alimentos como para a vigilância dos jovens e do território contra eventuais predadores e intrusos. Mas quem seriam esses últimos? As ariranhas têm poucos predadores. Na verdade são os filhotes ou os adultos jovens perdidos que podem se tornar a refeição de uma anaconda, crocodilo ou até de um jaguar. Mas diante de uma família de ariranhas, as chances desses animais capturarem um integrante são bem pequenas e a situação pode até mesmo se voltar contra eles! Quanto aos intrusos, eles podem ser outro grupo de ariranhas ou lontras que atravessa a fronteira territorial ou até um crocodilo que cobiça os mesmos peixes.

Contrariamente ao que podemos pensar a presença da lontra neotropical (Lontra longicaudis) nas mesmas zonas de vida não parecem trazer problemas de coabitação. Essa última tem uma flexibilidade ecológica suficiente para não interferir no cotidiano das ariranhas. Ela consome presas menores e se acomoda muito bem em um buraco abandonado por suas grandes primas.

Ao ler essas linhas nós poderíamos acreditar que tudo anda muito bem no mundo « perfeito » das ariranhas, mas a espécie figura na categoria “em perigo” da Lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Esse status significa que podemos esperar o desaparecimento de 50% dos efetivos até 2030.

EXTERMINADA POR SUA PELE, AMEAÇADA PELO GARIMPO CLANDESTINO

Perseguida por sua pele nos anos 1950-1960, as ariranhas ficaram à beira da extinção no início dos anos 70. Alvos fáceis, dezenas de milhares de animais foram vítimas de caçadores que comercializavam suas peles, até a proibição da caça foi proibida em 1973 pela Convenção de Washington (CITES), quando a maioria dos países que ainda abrigavam a espécie começa a protegê-la. Segundo a UICN, a ariranha já teria desaparecido da Argentina e do Uruguai e observam-se rarefações importantes em diversas zonas de sua área de repartição. As populações mais importantes subsistiram no platô das Guianas e nas vastas zonas úmidas do Pantanal no Brasil..

Hoje, a espécie é obrigada a enfrentar novas ameaças: a destruição e a poluição de seus habitats. A febre do ouro que atinge diversas regiões sul-americanas, motivada pela corrida do metal amarelo de valorização vertiginosa, traz sérias consequências para os meios aquáticos Derivação dos cursos de água, resíduos maciços de lama, hidro combustíveis e mercúrio no ambiente são alguns dos fatores que destroem os rios e seus ocupantes. Situada no topo da cadeia alimentar, a ariranha, assim como os homens que tiram recursos dos rios, se envenena lentamente absorvendo importantes quantidades de metilmercúrio. É sob essa forma que o mercúrio se concentra na medida em que subimos nas redes tróficas.  Proibida desde 2006 na Guiana Francesa, a utilização do mercúrio continua infelizmente sendo uma prática comum em diversas minas clandestinas. Outra consequência: toneladas de lama colocadas em suspensão na água durante a busca pelo ouro asfixiam a vida aquática, provocando o desaparecimento gradativo de peixes dos quais as ariranhas se alimentam. Enfim, as importantes modificações estruturais dos cursos de água podem perturbar a organização territorial da espécie e enfraquecer os grupos.

Uma indicadora da qualidade dos meios aquáticos?

Desde os anos 1970, a ariranha tem sido objeto de pesquisas baseadas no estudo do comportamento da espécie, suas relações sociais, regime alimentar e os modos de utilização do território. Conduzidos principalmente no Suriname, Brasil e Peru, esses trabalhos essenciais ignoraram a Guiana Francesa por muito tempo.

Desde o ano 2000, a associação Kwata desenvolveu no território guianês, vertentes complementares, voltadas para conservação da espécie e de seus habitats, utilizando a ariranha como indicadora da qualidade dos habitats aquáticos. Em 2008, esses trabalhos se integraram ao programa SPECIES, conduzido em parceria com o WWF França, que também abrange o estudo do jaguar e da anta. Estudar essas três espécies permite a obtenção de elementos para a implementação de ferramentas de conservação em função de suas sensibilidades às ameaças exercidas sobre elas e seus papéis nos ecossistemas.

No caso das ariranhas, trata-se de compreender como as populações reagem à perturbação de seus habitats, identificação das zonas mais favoráveis à conservação das populações sãs e enfim, conhecer as relações que podem existir entre grupos de zonas geográficas diferentes. Associando pesquisa de indícios de presença no terreno, biologia molecular em laboratório ou ainda a modelização dos habitats com a ajuda de um sistema de informação geográfico (SIG), os resultados obtidos por essas abordagens complementares nos dizem um pouco mais sobre a situação da ariranha na Guiana Francesa. Os primeiros resultados confirmam a hipóteses da UICN: contrariamente a outras regiões sul-americanas, ariranha ainda é bem presente no conjunto das bacias vertentes guianesas. É possível também que a espécie seja mais abundante nas partes mais elevadas dos cursos de água. Essa informação conforta a ideia da necessária preservação das pontas de enseada para a conservação da biodiversidade aquática.

Todavia, o estudo em andamento, mostra também que a espécie se rareia em alguns rios que sofrem forte pressão antrópica. Isso se traduz por uma diminuição dos índices de presença observados em terreno e pela observação dos grupos de pequeno porte. Essa última informação é reveladora do fracasso da reprodução e das dificuldades que as ariranhas encontram para garantir a sobrevivência dos jovens em territórios perturbados.

Mais uma vez, a França, através da Guiana Francesa pode fazer pose de bom aluno diante dos elementos que ameaçam as populações das ariranhas em outros países. Mas por quanto tempo? O garimpo clandestino ganhou proporções dramáticas nos últimos anos e isso até nos espaços protegidos. E as dificuldades do Estado na supressão do fenômeno não permitem bons presságios para as espécies que dependem da boa qualidade dos ambientes aquáticos.