Se entre o homem a discussão permanece em aberto, para o bugio vermelho o assunto parece encerrado: a essência precede a existência. Sua personalidade e sua natureza profunda são assim, o bugio vermelho é um macaco tranquilo.

Nós gostamos de pensar que uma parte de livre arbítrio dirige nossos atos e, particularmente, quando se trata de primatas, o antropomorfismo nos intriga, sob a calma aparente das palavras. Sua fisionomia nos parece familiar quando não semelhante. Seus gestos nos remetem a nós mesmos e à nossa liberdade. Mas suas ações são ditadas por seus genes e a fisiologia a eles associada. Com a essência do bugio vermelha sendo a tranquilidade, sua existência reflete essa imagem. A evolução o levou a essa cordialidade, tão certamente que ela condenou o homem à liberdade de seus atos.

Hoje, eu sou livre para ser tranquilo, sentado em um galho do dossel florestal guianês, observando os bugios evoluírem calmamente nas árvores, presos em sua aparente liberdade de escolha e em espaços restritos. Quem é o mais satisfeito: o homem consciente de sua capacidade de escolha, assim como é consciente do pouco uso que ele faz dela, reprimido por múltiplas opressões externas assim como por seus próprios medos? Ou o macaco que todos os dias encontra frutas e folhas ao seu gosto, galhos para descansar e congêneres para acompanhar? Na verdade o macaco está satisfeito. E da satisfação à felicidade basta um pulo, antropomórfico, dado rapidamente se tomarmos os devidos cuidados. A felicidade assim como a liberdade, são conceitos vastos, muito delicados quando relacionados aos primatas mesmo se, ao observá-los nós vislumbramos alguns esclarecimentos. Uma parte da felicidade humana reside no uso da liberdade. A satisfação do macaco vem da realização de suas exigências fisiológicas. O homem participa dessa satisfação, deixando ao macaco um espaço florestal suficiente. O macaco participa da felicidade do homem com a sua existência: ele oferece a qualquer humano, a possibilidade de subir numa árvore e vê-lo sentado tranquilamente entre os galhos comendo uma fruta. O desaparecimento de um macaco é uma parcela de liberdade que nós tiramos de nós mesmos, uma liberdade à imagem da floresta amazônica: tão vasta que parece inesgotável – mas a imagem não passa de uma ilusão.

Eu observo os bugios vermelhos evoluírem no dossel florestal. Eles não correm, pulam pouco, caminham. Seus deslocamentos parecem ser um passeio que eles fazem entre duas siestas. Quando se cansam das folhas de uma árvore eles pulam para outra. Eles não têm a pressa de um encontro marcado, as frutas estão sempre lá. Eles se deslocam juntos, quase sempre pelos mesmos galhos. Se um salto é necessário, eles esperam e passam, cada um na sua vez, pelo mesmo local. O primeiro salta, se agarra na árvore seguinte e faz uma pausa. Os outros seguem sem pressa, confiantes na abundância da floresta. Se os deslocamentos são fáceis, eles caminham nas árvores, esticando às vezes sua cauda para alcançar um galho mais baixo. Eu gosto dos bugios vermelhos por sua serenidade, por mais antropomórfica que ela seja. O rosto dos machos remete a uma imagem de velho sábio. Eles são pouco ariscos e sempre se aproximam para observar o homem, empoleirado e com um olhar calmo. Não ser detestado é sempre tranquilizante e aliviador. Aqui estou e eles passam, comem ou dormem.

Claro, os macacos urram às vezes. Mas esses gritos não são gritos de angústia ou de violência. Eles veiculam a vida: um bando de macacos está aqui, mora nessas árvores e faz com que todo mundo saiba. A calma da floresta não nasce do seu silêncio, pelo contrário, da multiplicidade de seus barulhos. O urro dos macacos encontra eco na variedade de sons que lhe respondem, se voltam contra eles, contrastam com os seus, modulam. A floresta é assim: ela se embeleza com uma serenidade de altos decibéis.

UM POUCO DE ECOLOGIA

Quem, em sua primeira noite passada na floresta guianesa, não ficou aterrorizado em sua rede por um grito vindo do além? Um grito lembrando um sopro roco que se propaga por quilômetros na mata e que gela o sangue de qualquer um no meio da noite. Exagero? Talvez. O urro do bugio vermelho, comumente chamado baboune, faz parte dos sons que embalam os dias da floresta amazônica.

Como todos os macacos do Novo Mundo, os bugios vermelhos são Platirrinos*. Eles se diferenciam dos seus primos do resto do globo (Catarrinos*) por suas narinas bem separadas que se abrem nas laterais. Na América do sul, existem nove espécies de bugios, agrupadas na família dos Atelideos. Uma única espécie está presente no planalto das Guianas: o bugio vermelho (Alouatta seniculus). Mas hoje, a comunidade científica afirma que a subespécie guianesa (A. seniculus macconnelli) seria na verdade uma espécie à parte, chamada Alouatta macconnelli.

Entre os macacos guianeses, o baboune é facilmente reconhecível por seu pelo ruivo, que não deixa dúvida alguma durante a sua observação na floresta. Seu tamanho grande também é um bom critério visto que o ’ macaco-aranha-preto (Ateles paniscus), também está entre os maiores macacos da América do Sul. Um macho adulto pesa aproximadamente 9 kg e mede 65 cm. A cauda, da qual a largura se aproxima de 70 cm, é preênsil: ela desenvolve o papel de quinto membro e permite ao baboune se suspender. É uma ótima ferramenta para o animal, pois ela facilita as locomoções e o acesso ao recurso alimentar.

Se as maiores densidades de bugios vermelhos parecem ser observadas nas florestas altas, a espécie é também amplamente distribuída nas florestas secundárias e até mesmo no mangue. Suas capacidades de adaptação lhe permite ainda viver em habitats levemente perturbados ou em maciços florestais fracionados. Os babounes vivem em grupos familiares compostos de 4 a 6 indivíduos. Trata-se geralmente de um macho e as duas fêmeas adultas acompanhadas de seus filhotes. Uma fêmea dá a luz a um filhote a cada dois anos, após um período de gestação de 6 meses.

UM MACACO QUE SE ECONOMIZA

Os grupos são muito pouco ativos. Os ¾ do dia são consagrados ao descanso e à siesta.  O restante do dia é ocupado pela busca por alimento, mas sempre cuidando para não ir muito longe… Menos de 800 metros por dia, é o que eles percorrem! E é justamente o regime alimentar do baboune que explica sua aparência “preguiçosa”. Na verdade, o animal se alimenta principalmente de folhas, o que convenhamos, não oferece a mesma energia que uma fruta madura e doce! Entretanto, nos meses de frutificação, os bugios vermelhos se ativam um pouco mais e não dispensam o consumo de frutas, sementes, e brotos por oportunismo.

Os urros característicos dos bugios vermelhos são, além disso, um bom meio para a espécie de se economizar: os gritos emitidos em coro pelos grupos servem principalmente para assinalar sua presença à distância e assim evitar conflitos com outros grupos congêneres.

Os impressionantes urros dos babounes se explicam por uma modificação do osso hioide, situado na garganta. Particularmente desenvolvido e oco, ele funciona como um caixa de ressonância.

Os bugios na qualidade de disseminadores de sementes, desenvolvem um papel importante na estrutura de regeneração da floresta. Se macacos como os macacos-aranha ou macacos-prego (Cebus sp.), que são extremamente móveis e têm um trânsito intestinal rápido, disseminam as sementes em grandes superfícies de forma mais ou menos homogênea, não é o caso dos bugios. Na verdade, esses últimos se deslocam pouco, digerem lentamente e utilizam com frequências os mesmos locais para dormirem. Eles concentram no solo as sementes rejeitadas com suas dejeções. Disso resultam as modificações locais dos povoamentos vegetais: sob suas “casas”, nós podemos encontrar variedade e abundância: das espécies de plantas das quais eles terão consumido os frutos ou sementes.

O PERIGO VEM DO ALTO!

Em sua aparente vida tranquila, lá no alto das árvores, os babounes devem temer alguns predadores, verdadeiros estraga-prazeres. Existe uma ave que esses primatas temem como o diabo: a harpia (Harpia harpyja). Essa ave de rapina, uma das maiores do mundo, é conhecida por atacar bichos preguiça e primatas dos quais o bugio. Observadores que já testemunharam essas capturas descrevem a violência e habilidade do ataque que provoca um traumatismo importante no grupo a julgar pela intensidade e duração dos gritos de inquietação emitidos após a cena. Os bugios parecem temer ainda algumas serpentes constritoras como as jiboias que podem sem dúvida devorar jovens primatas.

Em menor quantidade, alguns felinos arborícolas como o gato-maracajá (Felis wiedii) atacam ocasionalmente as pequenas espécies de primatas ou jovens babounes e macacos-aranha. Casos de predação de bugios por onças pintadas (Panthera onca) também são conhecidos. Cientistas venezuelanos assistiram a eliminação de cinco indivíduos de um grupo de seis bugios por uma onça pintada e isso em um período de 7 meses! Somente o mais jovem teria escapado.

QUAL É A SITUAÇÃO DO BABOUNE HOJE?

Os macacos sofrem de cheio as pressões humanas ligadas à exploração dos recursos florestais ou ainda às necessidades de desenvolvimento. Algumas espécies que exploram vastos territórios de floresta não podem se manter em habitats perturbados. Seu ciclo de reprodução lento – seis meses de gestação, crescimento lento, maturidade sexual aos 5 anos para os bugios vermelhos – fazem com que os animais suportem mal as pressões diretas tais como a caça. Os macacos constituem uma fonte proteica importante para as comunidades que tiram recursos da floresta. Mas a caça sem controle ligada à explosão demográfica nas aglomerações e à venda de carne de caça no mercado negro conduzem lentamente, mas certamente, algumas espécies ao declínio. É o caso, por exemplo, do macaco-aranha-preto que já desapareceu de áreas inteiras da Guiana Francesa. Em algumas zonas, as populações de bugios também estão em declínio. A ausência de cotas de caça na Guiana Francesa e também de regulamentação dessa atividade, fazem com que abusos sejam verificados com frequência no conjunto do território. Mas os babounes possuem capacidades de adaptação às perturbações bem superiores à dos macacos-aranha. Como suas exigências ecológicas são menos importantes (domínio vital restrito, regime alimentar flexível), a espécie é capaz de se manter nas ilhotas florestais fragmentadas. Era assim que nas portas da Ilha de Caiena, ainda é possível perceber esse fabuloso urro (trilha Vidal, por exemplo), que ressoa como um aviso para a cidade sobre onde são os seus limites.