As escavações arqueológicas de Pointe Morne

A alguns quilômetros rio acima da cidade de Saint-Georges-do-Oiapoque, as escavações realizadas pelo Instituto nacional de pesquisas arqueológicas preventivas (INRAP), sob a coordenação do Diretório departamental de equipamento (DDE), permitiram colocar em evidência uma sucessão de eventos ligados à História pré-colombiana recente das Guianas. O sítio é localizado em Pointe Morne, uma pequena elevação de quarenta metros que estreitamento do rio Oiapoque. Duas comunidades ameríndias se instalaram no topo dessa colina entre os séculos XI e XVI de nossa era, e a escavação foi importante para esclarecer as relações entre elas.

UM ESPAÇO FUNERÁRIO ARISTÉ

Por volta de 1000 d.C., um grupo ameríndio denominado Aristé pelos arqueólogos instala um cemitério na Pointe Morne. O local parece privilegiado: a colina é delimitada por acentuados aclives naturais e conectado ao restante do relevo por uma estre linha de crista. Esses primeiros ocupantes cavam um fosso retilíneo de uns trinta metros de comprimento e dois metros de profundidade na altura desse estreitamento topográfico.  A primeira tumba foi escavada juntamente com o fosso e outras três tumbas foram encontradas em seguida, compondo um pequeno espaço que parece ter funcionado por cerca de 500 anos. Todas as sepulturas possuem a mesma configuração. Elas são constituídas por poços cilíndricos de acesso que levam até uma câmara sepulcral sistematicamente orientada para o leste. Nessa cavidade artificial de 1,60m x 3,20m de profundidade, a comunidade aristé sepulta seus defuntos. Seus restos ósseos, frequentemente queimados, são depositados em urnas com rostos humanos, associadas a recipientes secundários contendo oferendas ou objetos que pertenciam aos mortos.

Essas quatro catacumbas passaram por diversas evoluções. Uma delas permaneceu intacta como no dia do sepultamento há quinhentos anos. Seu depósito funerário parece ter sido protegido pelo deslizamento de uma enorme pedra de granito no poço de acesso, que teria desempenhado um papel de estela (epitáfio), marcando o local da sepultura. Outra tumba foi completamente esvaziada e coberta por cascalhos provenientes de outra escavação. Nos outros dois poços, a maioria das urnas e dos vasos estava quebrada e os pedaços misturados. Para os arqueólogos, essas diferentes constatações supõem que o depósito de urnas funerárias não suspende a atividade da catacumba, sendo que essa última parecia sofrer evoluções à medida que era utilizada.   Sua entrada era sem dúvida obstruída por um sistema removível com acesso para modificação de seu conteúdo com o depósito de novas urnas ou ainda para a retirada ou destruição das urnas antigas encore de. Mesmo sem uma confirmação, é possível que essas tumbas tivessem uso familiar ou tribal.

Nas proximidades escavações mais simples são testemunhas de abrigos que protegiam a entrada dos poços ou construções cerimoniais ou culturais. O uso de um fosso nunca tinha sido observado nesse grupo, mas eles remetem às necrópoles Aristés do Amapá das quais o local é materializado pela presença de megálitos. Sua finalidade é sem dúvida sinalizar; marcando definitivamente a paisagem já que o local é simbólico e sagrado.

O ÚLTIMO ENVELOPPE DO DEFUNTO

Para conservar os restos do morto, as comunidades aristés confeccionam grandes recipientes de barro de forma angular e terminado por um longo gargalo. Essas urnas, funerárias ou incinerarias* conforme o caso são dotadas de traços humanos – nariz, orelhas, boca, umbigo, braço. Elas representavam assim o último invólucro terrestre dos defuntos, suas dimensões aparência coincidiam com as noções de identidade sexual, idade e até classe social. Esses receptáculos portam um ornamento complexo e codificado, vermelho e preto sobre fundo branco. Eles foram perfurados, o que impede a sua utilização como simples recipientes sem, contudo deixar de manter os restos em decomposição.

UM HAMEAU KORIABO

Por volta de 1400 d.C., a Pointe-Morne é tomada por uma população conhecida em arqueologia pelo nome de Koriabo, que parece ter ocupado esse local por cerca de cem anos. Os indícios arqueológicos parecem indicar que os recém-chegados expulsaram os precedentes ocupantes que frequentavam o local há muitos séculos. Dois dos poços funerários são explorados sem nenhuma modificação, talvez até mesmo profanados. Em seguida eles os utilizaram como fossos simples para detritos e teriam até os incendiado, como para “descarregá-los” mais facilmente de toda a espiritualidade.

Os ocupantes koriabo tomam o cume para implantarem uma pequena aldeia que conserva como limite de extensão o fosso cavado pelos Aristés. Furações de colunas denunciam a construção de moradias onde aparecem ainda ferramentas em pedra para uso agrícola e florestal. A produção cerâmica também mudou. Agora ela corresponde à louça doméstica com formas adaptadas às atividades comuns – preparar, servir, cozinhar, guardar – e às vezes, marcas de utilização Essa nova entidade cultural utiliza novas características decorativas de identificação: os motivos pintados são muito raramente executados, a maioria dos motivos é obtida com a incisão de um estilete na massa ainda mole e aplicando pequenas modelagens.

NA CONVERGÊNCIA DE DOIS MUNDOS AMERÍNDIOS

As manifestações arqueológicas ligadas as sociedade Aristé e Koriabo foram primeiramente colocadas em evidência nas duas extremidades do planalto das Guianas. A primeira, conhecida, sobretudo pelos seus centros funerários, foi mencionada inicialmente por E. Goeldi no Amapá, após a descoberta de poços similares aos de Pointe Morne na região de Counani em 1895. Os dados arqueológicos atuais permitem delimitar sua influência entre o rio brasileiro Araguari e às margens do baixo Oiapoque. Seu posicionamento no tempo ainda permanece impreciso, algumas datações se estendendo entre os séculos IV e XV., enquanto a introdução de objetos europeus em vidro e faiança, em alguns contextos funerários parece prolongar o uso das urnas até os séculos XVIII. A cultura Koriabo foi descoberta na Guiana, nos anos 1960 por C. Evans e B. Meggers. A influência dessa corrente natural é agora reconhecida em um vasto território que vai da Guiana até o Brasil. Ela parece emergir no início do primeiro milênio e ocupar quase simultaneamente o conjunto das Guianas até o fim do século XV.

A sobreposição dessas duas grandes correntes arqueológicas no sítio de Pointe-Morne revela profundas mudanças políticas e culturais no baixo Oiapoque no início da Conquista. Essas sociedades pré-colombianas teriam sobrevivido às primeiras tentativas europeias de colonização, mas ainda faltam dados arqueológicos que poderiam confirmar isso. Os estabelecimentos europeus na bacia do Oiapoque vão derrubar, a partir do século XVI, essa nova tendência geopolítica: os acordos e trocas de produtos manufaturados vão engendrar tensões e rivalidades, o choque microbiano, uma grande regressão demográfica e a implantação de barreiras e colônias de movimentos migratórios forçados ou voluntários. Essa conjunção de eventos resultaria em fenômenos de recomposição étnica, tornando arriscadas todas as tentativas de reaproximação entre as sociedades ameríndias atuais e os grupos arqueológicos pré-colombianos.